quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

CONTINUA AVANÇANDO A RETOMADA DA TEORIA DA DEPENDENCIA

O PCB se aproxima da teoria da dependencia com artigo sobre Ruy Mauro Marini.


É importante esta "descoberta" um pouco tardia da teoria da dependencia. Como se pode ver no meu llivro sobre a teoria da dependencia (edição recente ampliada da editora insular) avançamos muito na elaboração de uma teorIa do sistema mundial que completa a a teoria da dependencia. Temos que articular profundamente a lógica da economia y política mundial com a lógica das áreas dependentes e suas economias subordinadas que vêm desenvolvendo mecanismos de participação das mesmas na direção de uma nova ordem econômica mundial, É necessário portanto superar um enfoque puramente local para estar à altura das mudanças em curso num processo planetário extremamente amplo e profundo. São vários os grupos de trabalho que estão buscando uma retomada sistematica da "teoria marxista da dependencia" tendo o Ruy como um dos seus principais formuladores.


Dependência e Revolução Socialista: a contribuição de Ruy Mauro Marini

Eduardo Serra1, Ricardo Costa2, Rodrigo Castelo3


Ainda pouco conhecido no Brasil, Ruy Mauro Marini foi um dos maiores críticos do nacional-desenvolvimentismo. O resgate da sua obra e militância é uma necessidade teórico-política para os comunistas brasileiros, hoje envoltos na luta contra uma nova etapa do capitalismo dependente, que alguns analistas chamam de neodesenvolvimentismo.

Nascido em 1932 em Barbacena, Minas Gerais, transferiu-se para o Rio de Janeiro em 1950, tendo estudado no curso de Direito na UFRJ, não concluído, e depois na Escola Brasileira de Administração Pública, ligada à Fundação Getúlio Vargas, onde teve contato com as ideias desenvolvimentistas da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina, ligada à ONU). Em 1958, obteve bolsa de estudos para cursar o Instituto de Estudos Políticos da Universidade de Paris.

No contexto mundial das lutas de libertação na Ásia e na África, as teorias do desenvolvimento, em voga nos Estados Unidos e nos centros europeus, começaram a se revelar a ele verdadeiramente como forma de mistificar a exploração capitalista e como instrumento de domesticação dos povos oprimidos do Terceiro Mundo. Com isso, Marini, influenciado pelas ideias marxistas, afastava-se das perspectivas apontadas pela CEPAL, segundo a qual seria possível aos países da América Latina avançarem no rumo de um capitalismo nacional autônomo, com vistas à superação do “atraso” econômico decorrente das trocas comerciais desiguais entre os países da periferia e as nações capitalistas desenvolvidas (produtos primários por produtos industriais).

As ideias desenvolvimentistas ganharam força no Brasil na década de 1950, impulsionadas pela crescente urbanização e se refletiram na política adotada pelo governo Juscelino Kubitschek, sintetizada no Plano de Metas, pelo qual se dava vazão ao impulso industrialista principalmente pela implantação da indústria de bens de consumo duráveis, além da expansão da infraestrutura. Mas a opção de JK pela ampla abertura ao capital estrangeiro acabava pondo por terra a defesa do “capitalismo nacional autônomo”, projeto que faria convergir os interesses da burguesia e da classe trabalhadora, por meio de uma forte distribuição da renda. A burguesia brasileira se tornou, de fato, sócia minoritária do capital internacional. Os resultados do processo, já no início dos anos 1960, consolidaram fatores como a alta concentração de renda e a dependência em relação aos países centrais.

As avaliações acima sobre o capitalismo brasileiro, divergentes das teses então dominantes no interior da esquerda brasileira, seriam difundidas pelo grupo político e intelectual de que Ruy Marini fez parte. Ainda na França, Marini entrou em contato com o grupo que editava, no Brasil, a revista Movimento Socialista, da juventude do Partido Socialista, que, mais tarde, formaria a Organização Revolucionária Marxista - Política Operária (POLOP). Este agrupamento político, com bases no Rio, São Paulo e Belo Horizonte, seria a expressão de uma esquerda revolucionária que discordava das teses nacional-democráticas do PCB e defenderia, de forma isolada nos anos 1960, a bandeira estratégica da Revolução Socialista no Brasil, sem a etapa democrático-burguesa.

Voltando ao Brasil em 1960, dois anos depois Marini foi convidado para dar aulas na recém-fundada Universidade de Brasília, onde conviveu com André Gunder Frank, Theotônio dos Santos e Vânia Bambirra, os dois últimos também membros da POLOP. Ali nascia a chamada Teoria da Dependência, fazendo frente às teses dualistas (atraso x desenvolvimento) presentes tanto nas análises dos partidos comunistas quanto da CEPAL a respeito da realidade latino-americana. A nova teoria rejeitava categoricamente a ideia do desenvolvimento capitalista para superar o atraso econômico dos países periféricos, afirmando, pelo contrário, que a dependência da América Latina ao imperialismo somente ocorreria com a supressão das relações de produção capitalista, não com a sua expansão.

Com o golpe de 1964, Marini foi para o México e para o Chile, retornando ao México após a derrubada do governo socialista de Allende. Neste período, produziu textos fundamentais para a compreensão de suas teses, como Subdesenvolvimento e Revolução (1969) e Dialética da Dependência (1973), onde aparece o conceito de superexploração do trabalho, que parte da ideia segundo a qual as perdas de mais-valia sofridas pelas burguesias latino-americanas em virtude do intercâmbio desigual levam-nas a “agudizar os métodos de extração do trabalho excedente”, pela combinação de baixos salários com a intensificação do trabalho, muitas vezes obtida com a extensão das jornadas.

As formulações de Marini foram criticadas por autores como José Serra e F. H. Cardoso, que o acusavam de “combater moinhos de vento e remar contra a corrente”, dado que, na opinião destes, o capitalismo se desenvolvia pela introdução de tecnologias, somente disponíveis nos países centrais. Também defendiam a entrada de capital estrangeiro como forma de superar a crise do início dos anos 1960, identificada por eles como uma crise do capitalismo nacional. Por outro lado, Ruy Marini e outros autores marxistas viam a crise no Brasil e na América Latina como uma crise de acumulação capitalista, reforçada pela vinculação ao capital estrangeiro, materializada na presença das empresas transnacionais. Estas buscavam, nos países periféricos, um sobre-lucro, que, gerado pela superexploração do trabalho, só fazia agravar as desigualdades sociais.

Na década de 1990, escrevendo sobre a nova fase do capitalismo mundial, marcada por uma nova divisão do trabalho, pelo aumento da taxa de exploração nos países centrais e pela criação das chamadas empresas globais, Marini identificou o aumento do nível tecnológico dos países periféricos, mantida a subordinação às matrizes. Ao verificar também o correspondente aumento da taxa de exploração no Brasil, que tornava o mercado interno extremamente limitado, dada a elevada concentração da renda existente no país e as elevadas taxas de exportação e importação, Marini constatou que, naquele período, as burguesias locais, já associadas diretamente à burguesia internacional, buscavam o aumento da acumulação pela expansão das empresas baseadas no Brasil para o exterior sem a internalização da mais-valia obtida, chamando esse processo de subimperialismo.

Cabe lembrar que, no poder, Fernando Henrique Cardoso, conciliando com as oligarquias brasileiras, operou um “ajuste” na dependência, retirando mais direitos dos trabalhadores e criando todas as facilidades para a entrada de capital externo, na forma de privatização de empresas públicas e investimentos financeiros.

Os rumos trilhados na economia brasileira, ao longo dos governos Lula e Dilma (que se assumem “neodesenvolvimentistas”), não se afastaram, no essencial, do modelo da dependência e mantiveram a expansão para o exterior das empresas sediadas no Brasil. Nesse sentido, é extremamente atual a contribuição de Ruy Mauro Marini, para o entendimento e a reflexão sobre o quadro atual e a tomada de posição dos comunistas.






1 Eduardo Serra é professor da UFRJ e Membro do Comitê Central do PCB

2 Ricardo Costa é professor da Faculdade Santa Dorotéia e membro do Comitê Central do PCB

3 Rodrigo Castelo é professor da UNIRIO e militante do PCB

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