segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

ESTE TEXTO FOI ESCRITO COMO INTRODUÇÃO DA EDIÇÃO EM ESPANHOL DO LIVRO IMPERIALISMO E DEPENDENCIA DE THEOTONIO DOS SANTOS NA BIBLIOTECA AYACUCHO DE CLÁSSICOS LATINOAMERICANOS, CÉLEBRE COLEÇÃO EDITADA NA VENEZUELA. VOCÊ DEVE ENTRAR NA INTERNET E PODERÁ BAIXAR ALGUNS DOS MAIORES CLÁSSICOS DA NOSSA REGIÃO. NÃO DEIXE DE SE DELICIAR COM ESTA BIBLIOTECA.



IMPERIALISMO E DEPENDÊNCIA: REVISITANDO UM CLÁSSICO
Carlos Eduardo Martins*
1. Um Panorama da Obra de Theotônio Dos Santos
Embora vá centrar sua ênfase numa problemática regional e latino-americana a teoria da dependência antecipa a teoria do sistema mundial, ao destacar a existência de uma economia mundial em expansão como o elemento central da acumulação de capital e situar o mundo como objeto de análise condicionante para qualquer investigação regional ou nacional. Theotônio dos Santos, junto a André Gunder Frank, será o mais internacionalista dos teóricos da dependência. Ele contribuirá decisivamente para a compreensão do funcionamento da economia mundial, integrando num mesmo arcabouço teórico-metodológico, como instrumentos para a sua análise, os conceitos de revolução científico-técnica e de ciclos de Kondratiev. Esse aparato conceitual vem sendo desenvolvido pelo autor, desde seu exílio mexicano, e ganha ampla projeção em seus trabalhos a partir de seu regresso ao Brasil em 1979. Sua análise do sistema-mundial vai se articular fortemente com sua interpretação das forças produtivas contemporâneas. Estas serão constituídas, a partir de meados dos anos 1940, por uma nova revolução nos processos produtivos, destinada a substituir as bases da revolução industrial, e que denomina-se revolução científico-técnica. Os estudos do autor sobre este tema, embora bastante avançados no México, vão adquirir sua forma madura nos anos 1980-90, em escritos como Revolução científico-técnica e capitalismo contemporâneo (1984), Revolução científico-técnica e acumulação de capital (1987),  Revolução científico-técnica e divisão internacional do trabalho (1991) ou Economia mundial e .integração regional (1995).


O desenvolvimento da economia mundial capitalista torna as histórias nacionais profundamente diferenciadas de acordo com a posição hierárquica que uma formação social nacional ocupa na divisão internacional do trabalho. Os paises centrais não representam modelos avançados para as formações periféricas, nem pertencem a outra temporalidade. Constroem sua história, simultaneamente às periferias, a partir da posição específica que adquirem na economia mundial. Se estes apóiam-se na economia mundial para estabelecer um desenvolvimento das forças produtivas que lhes favorece, nas periferias, o interesse nacional se subordina aos condicionamentos da economia mundial. O desenvolvimento do subdesenvolvimento que passa a constituir as periferias exige como contrapartida a superexploração do trabalho e torna a expansão das forças produtivas muito mais contraditórias que nos centros, abrindo o espaço para que iniciem a transição ao socialismo. Cria-se então uma terceira formação, a socialista, que a partir de 1917, integra a economia mundial, disputando com o capitalismo o seu protagonismo, na medida em que constitui-se como a fase inicial de um modo de produção igualmente universalista: o comunismo. Este socialismo parte, entretanto, de condições de escassez material, tendo de cumprir a missão de desenvolver a revolução industrial, tarefa eminentemente burguesa - na medida em que esta constitui sua base de forças produtivas -, o que o situa em condições muito específicas, de acumulação primitiva, e lhe gera importantes distorções. 
Para o autor, a crise de longo prazo tenderia a aproximar as diversas forças sociais e políticas que representavam as classes trabalhadoras, mas para que estas se unificassem em torno a um programa de transição ao socialista deveriam superar vários obstáculos que confrontavam esta possibilidade. Um primeiro, a tradição divisionista e sectária que se impôs nos países centrais durante a guerra fria e que opôs comunistas, de um lado, e socialistas e social-democratas, de outro. O segundo, o anti-institucionalismo da nova esquerda que surgiu, nos final dos anos 1960, como resultado de suas críticas às burocracias sindicais e políticas e à orientação reformista que esta imprime aos partidos social-democracia, socialistas e comunistas. O terceiro, as limitações que a burocracia estatal dos países socialistas estabelecia para o desenvolvimento da revolução socialista. O socialismo, aponta, Theotonio dos Santos, é expressão das condições concretas em que surge e da não da aplicação de idéias puras. O fato de emergir em condições muito atrasadas de desenvolvimento de forças produtivas fez com que se restringisse a incorporação da direção estatal à sociedade e que se cristalizasse neste aparelho uma burocracia com interesses contraditórios. Se de um lado, impõe o planejamento sobre o mercado e a propriedade coletiva dos meios de produção; de outro lado restringe o avanço do processo revolucionário, opondo-os ao interesses de Estado, ao assumir as teses do socialismo em um só país ou região, que em realidade limita-o também internamente, ao manter e aprofundar as desigualdades sociais associadas a uma direção hierarquizada. No plano internacional confunde-se a busca por uma política de paz e de co-existência pacífica com o abrandamento das lutas de classes, convertendo-se a transição ao socialismo num exercício de superioridade econômica sobre a economia mundial; ou criam-se disputas nacionais entre interesses estatais socialistas distintos, cuja maior expressão foram as tensões sino-soviéticas. Entretanto, desenvolve-se também a cooperação entre os países socialistas o que permite a um país como Cuba contar com o apoio militar e econômico para desenvolver a transição ao socialismo com menores dificuldades.
No balanço das forças socialistas que realiza então, o autor considera possível, ainda que não provável, o avanço num nível que imponha o seu protagonismo na economia mundial e impeça a superação pelo capitalismo da crise de longo prazo em que ingressa a partir de 1967. O desenvolvimento das forças produtivas nos países socialistas e o fato de não produzirem os ciclos de Kondratiev são razões para otimismo, pois lhes permitiria exercer uma importante ofensiva na economia mundial.  Esta ofensiva deveria combinar três tipos de atuação: o avanço do movimento revolucionário nos países centrais; o desenvolvimento do intercâmbio solidário entre os países socialistas; e o aumento da integração econômica dos países socialistas com a economia mundial capitalista.  Esta integração faria concessões à economia de mercado, mas lhes permitiria, por outro lado, impulsionar a base científico-tecnológica instalada para aprofundar o desenvolvimento tecnológico, diferenciar o consumo e aumentar o tempo livre, possibilitando um nível de participação popular capaz de restringir a ação da burocracia e transferir a direção estatal à própria sociedade, fator decisivo para o desenvolvimento do socialismo. Mas as forças revolucionárias e unificadoras são ainda minoria no âmbito da economia mundial e disporiam de tempo relativamente limitado para impor sua hegemonia internacional, pois a depressão capitalista atinge seus níveis mais profundos tende a desorganizar as instituições do proletariado e criar as condições para uma nova ofensiva imperialista.
O multinacionalismo, segundo Theotonio dos Santos, poderia liderar a reorganização da economia mundial se reestruturasse a divisão internacional do trabalho, baseando-se para isso num nível muito mais avançado de capitalismo de Estado. A produção seria reorientada para o mercado internacional e para isto o multinacionalismo se apoiaria no neoliberalismo impulsionado desde o Estado. Trata-se de criar novos mercados para os grandes conglomerados e suas filiais, uma vez que o desenvolvimento da revolução científico-técnica rompe a relação positiva com o multiplicador keynesiano e que as escalas tecnológicas das inversões nos países dependentes chocam-se com os limites da superexploração da força de trabalho. O autor aponta que este movimento provocaria não apenas contradições inter-imperialistas, mas também no interior do bloco capitalista estadunidense, amadurecendo a longo prazo as condições para uma ofensiva revolucionária. A abertura do mercado estadunidense aprofundaria os déficits comerciais e em conta corrente do balanço de pagamentos, destruiria parte da burguesia voltada para o mercado interno, elevaria o desemprego e reduziria os salários dos trabalhadores. As transferências de tecnologia para outros centros se intensificariam e debilitariam a hegemonia estadunidense que se conjugaria com a emergência de sub-potências regionais, as quais receberiam os seus sistemas tecnológicos mais atrasados. Tais saltos tecnológicos nos países dependentes priorizariam a produção de partes e componentes e de matérias primas industrializadas para os países centrais, aprofundariam a superexploração do trabalho e buscariam evitar o desenvolvimento do setor I, produtor de maquinarias, que tornaria a dependência uma expressão puramente política e materialmente desnecessária. O novo grau de internacionalização capitalista, entretanto, aprofundaria a contradição entre a integração mundial e suas bases privadas e não conseguiria evitar completamente a tendência à difusão do setor I, mesmo que através de sua fragmentação mundial. Tal contradição estabelece os termos do paradoxo da dependência, onde ao mesmo tempo em que esta aumenta, diminui-se a necessidade objetiva dela, apresentando-se na internacionalização simultaneamente sua cara dependente e a sua cara liberada.
c) As forças socialistas estão de fato em avanço secular desde 1917, e este aparece sob a forma combinada de movimento social revolucionário, integração econômica dos Estados socialistas na economia mundial e do desenvolvimento do seu intercâmbio político. Entretanto, a dialeticidade que assume este avanço pode implicar em violentas tensões entre as suas partes, levando a importantes dissoluções para que novas etapas de desenvolvimento sejam alcançadas. A experiência do socialismo em um só país ou região tornou-se insustentável para enfrentar os desafios do capitalismo globalizado. A satelitização dos partidos comunistas ocidentais pelo soviético e seu controle pelos interesses nacionais de sua burocracia exigiram a liquidação deste paradigma, falsamente interpretado pelos liberais e conservadores como uma derrota definitiva do socialismo[3]. Neste sentido, o autor aponta as contradições entre as burocracias, em particular a soviética, e os interesses de conjunto dos trabalhadores como um importante conflito no seio do movimento socialista e situa corretamente, entre as condições para sua superação, a capacidade desta burocracia liderar um desenvolvimento das forças produtivas que lhe permita acumular vantagens na economia mundial diante do capitalismo. É verdade que na análise que então fazia Dos Santos, houve uma superestimação das possibilidades da burocracia soviética em cumprir este papel. Esta comprometeu-se com a estagnação da economia ao não ser capaz de conciliar a democratização da gestão impulsionada pelo paradigma tecnológico microeletrônico, emergente nos anos 1970, e a propriedade coletiva dos meios de produção.
d) A combinação, como estratégia de avanço socialista, entre movimento social revolucionário, integração econômica dos Estados socialistas na economia mundial capitalista e o desenvolvimento de seu intercâmbio político, mencionada pelo autor, supõe a autonomia relativa destas formas e, com isto, a incapacidade de se derrotar o sistema capitalista por vias que sejam exclusivamente econômica ou política. O desafio que a transformação socialista deve lançar ao capitalismo é o de articular as várias formas de luta, isto é, econômicas, sociais, políticas e ideológicas que se desenvolvem na economia global, mas que isoladamente assumem um caráter limitado e contraditório com as metas de avanço global mais substantivo. O capitalismo mundializa o desenvolvimento desigual e combinado e com ele a acumulação de contradições nas periferias avançadas do sistema. O socialismo que emerge nestas regiões tem o desafio não apenas de erradicar a pobreza e a superexploração do trabalho, mas o de superar a condição periférica.  A integração à economia mundial capitalista e a formulação de um “socialismo de mercado” que se estabelece num país como a China, se restringe, do ponto de vista local, avanços socialistas que se alcançaram – o grau de extensão da propriedade coletiva dos meios de produção –, do ponto de vista sistêmico, questiona a divisão entre centros e periferias que é estrutural para o desenvolvimento do capitalismo, sobretudo, quando, como neste caso, se trata da emergência de países continentais e de vasta proporção demográfica.  Por outro lado, os movimentos sociais que não conseguiram apropriar-se do Estado, enfatizam a dimensão política, sob várias formas, considerando as diversas circunstâncias em que se encontram, para impulsionar as tarefas de transformação social. Promover a articulação entre Estados e movimentos sociais e a cooperação – isto é, o intercâmbio em bases políticas – entre os países periféricos e semiperiféricos é um dos elementos fundamentais da transformação socialista global e permite socializar o poder econômico que o socialismo alcança no seio da própria sociedade capitalista, uma vez que, a prerrogativa da articulação predomine sobre a autonomia e a anarquia no desenvolvimento dos processos sociais.
e) Nos países dependentes, a nova divisão internacional do trabalho, de fato, aprofunda a contradição entre o aumento da interdependência e a subordinação à economia mundial. Na mundialização contemporânea, o dinamismo econômico passa a ser impulsionado pelo desenvolvimento do sistema científico-tecnológico que acelera a difusão dos conhecimentos e das tecnologias. Mas para apropriá-los é necessário desenvolver a capacitação interna, fortemente associada à qualificação da força de trabalho e à formação de redes que descentralizem a decisão e a informação. A tendência à internacionalização do setor I é em grande parte esterilizada pela focalização do progresso tecnológico – destinado à geração de um aparato exportador de valor agregado limitado e sem capacidade de encadeamento das estruturas produtivas – e pela superexploração do trabalho. Nos países dependentes incrementam-se, ainda que discretamente, os gastos em P&D, o número de cientistas e engenheiros e o grau de qualificação da força de trabalho. Entretanto, a potencialidade desta forças produtivas é fortemente restringida. O neoliberalismo desloca os gastos em P&D da pesquisa básica e dos segmentos difusores de progresso técnico para aplicações tecnológicas mais específicas e submete a capacidade de introduzir inovações à concorrência internacional e à produtividade, onde joga papel central a tecnologia estrangeira. O resultado é a relativa ociosidade do esforço local de capacitação ou uma destinação que restringe o alcance dos recursos locais. Para que se ultrapassem estes limites, como assinala o autor, é necessária a implementação de um regime de transição ao socialismo que rompa com a superexploração, eleve o valor da força de trabalho e conferira aos trabalhadores papel decisivo no acesso, geração e implementação de conhecimentos. 

O autor dedica-se então à analise das leis de funcionamento da economia dependente na medida em que configura uma estrutura sócio-econômica específica. Esta se funda na superexploração do trabalho, na acumulação externa de capitais e no alto grau de concentração interna de capitais. A superexploração, que será estudada em detalhe na teoria da dependência por Ruy Mauro Marini, surge como um resultado da apropriação de mais–valia que a economia internacional realiza sobre os países dependentes - sob a forma de desvios do valor em relação aos preços ou de remessas de lucros, juros e dividendos - e da transferência interna destas perdas aos trabalhadores para sustentar-se internamente a taxa de lucro, o que implica uma dupla exploração que mantém intensos níveis de pobreza, miséria e subdesenvolvimento. O alto grau de concentração na acumulação de capitais surge não como expressão da força do capitalismo dependente, mas de sua fraqueza. É o resultado da associação à dependência tecnológica, financeira e comercial que cristaliza uma burguesia monopólica nos países dependentes e dos limites ao desenvolvimento do mercado interno provocados pela superexploração. A contrapartida deste processo é o que autor chama de acumulação externa de capitais. Por ela designa um processo onde o setor I, produtor de capital fixo, não se internaliza plenamente na economia dependente e a sua reprodução se realiza essencialmente a partir da economia mundial.
O modelo da dependência negociada parte do fracasso das ilusões da burguesia nacional sobre um desenvolvimento independente. Constata-se a “dependência externa” e busca-se, desde o Estado, dirigir-se a associação do bloco público e privado nacional com o capital estrangeiro, ampliando suas prerrogativas. Este modelo que apresenta alto grau de regulação estatal se desdobra em três formas possíveis de organização, não necessariamente excludentes: a democracia restringida, onde a burocracia estatal possui grande prerrogativa de poder e a utiliza, mais que ao movimento social, como fonte de de concessões da parte do capital estrangeiro; o subimperialismo, que pode se combinar com o modelo anterior, onde esta burocracia orienta sua acumulação de poder para um protagonismo regional, restringindo o mercado interno e impulsionando a exportação de mercadorias e de capital; e o “nasserismo latino-americano”, onde uma corrente de militares estabelece uma ofensiva nacionalista e anti-imperialista, impulsionando um projeto de desenvolvimento que mantém sob controle o movimento social e torna o capital estrangeiro um elemento auxiliar. Segundo o autor, a primeira e a segunda forma são as mais estáveis de concreção deste modelo, dado o alto teor de conflitos entre a dimensão nacionalista do “nasserismo” e o protagonismo do capital estrangeiro. Entretanto, o suposto em se baseia, de protagonismo da burocracia estatal na relação com o capital estrangeiro, mostra-se contraditório com a evolução da dependência, o que o coloca em descenso e em processo de assimilação pelo primeiro modelo.








[1] Entre estes se destacam não apenas os esforços do próprio Theotônio dos Santos que reorienta a teoria da dependência para destacar na economia mundial um tema central de investigação, mas os de André Gunder Frank, Samir Amin e, sobretudo, o grupo do Fernand Braudel Center, com Immanuel Wallerstein e Giovanni Arrighi, que desenvolverão, entre outros, os conceitos de moderno sistema mundial – como superestrutura política da economia-mundo capitalista –, ciclos sistêmicos e de semiperiferia.

[2] O multinacionalismo tem levado a superexploração do trabalho aos países centrais ao destruir a pequena e média burguesia, elevar o desemprego, precarizar o emprego e reduzir os salários, como é o caso, em particular, dos Estados Unidos.

[3] Já em A ideologia Alemã (1846), Marx e Engels afirmam que o comunismo depende para o seu desenvolvimento da universalização das forças produtivas e que qualquer vitória do comunismo que seja local está destinada a ser varrida pela expansão das trocas.

[4] Estes déficits são função dos monopólios tecnológicos, financeiros e comerciais internacionais e se apresentam nos pagamentos de fretes, nas remessas de lucros, pagamentos de serviços tecnológicos, assistência técnica, patentes, juros e serviços da dívida.




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