sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

DISCURSO DO PROFESSOR THEOTONIO DOS SANTOS NA CERIMONIA DE RECEPÇÃO DO TÍTULO DE PROFESSOR EMÉRITO DE UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE (UFF)

Exmos Senhores:

Prof. Roberto de Souza Salles, Magnífico Reitor da Universidade Federal Fluminense.
Prof. Jose Raimundo Martins Romeo, Secretário Municipal de Ciência e Tecnologia, ex-reitor da Universidade Federal Fluminense, representando o Prefeito Jorge Roberto da Silveira
Prof. Sidney Luiz de Mattos Melo, vice-reitor da Universidade Federal Fluminense.
Prof. Francisco de Assis Palharini, diretor do Instituto de Ciências Humanas e Filosofia
Prof. Eurico de Lima Figueiredo, professor notório saber da UFF
Prof. Marcus Ianoni, chefe do departamento de Ciência Política.
Prof. Carlos Henrique Aguiar Serra, coordenador do Programa de Pós-graduação em Ciência Política
Prof. Vagner Camilo Alves, coordenador do Programa de Pós-graduação em Estudos Estratégicos.
Prof. Adriano de Freixo, coordenador de curso de Relações Internacionais.

Meus caros colegas

Sinto-me profundamente honrado em receber o título de Professor Emérito da Universidade Federal Fluminense que me acolheu com grande generosidade em 1992, através de seu reitor José Raimundo Martins Romeo que se transformou num dos meus maiores amigos e num companheiro de empreitadas acadêmicas por este mundo afora. A UFF continuou seu crescimento que acompanhei até a aposentadoria compulsória e agora continuo a participar na sua vida acadêmica com o honroso título de Professor Emérito, enquanto a vejo crescer e afirmar-se a cada dia.
Este é um momento de reflexão. Para justificar a honra que meus pares me outorgam desejo explicar o sentido do meu trabalho acadêmico e de minhas opções de vida. Se estes anos têm algo que me traz satisfação, diria que é a minha fidelidade aos princípios e ideais que se consolidaram na minha juventude, numa interação estreita com a história do meu tempo. Sinto prazer de ter sido fiel a eles tanto no plano intelectual como político e pessoal. Peço que me desculpem mas vou ter que falar um pouco destes tempos de juventude.
Quando fazia minha secundária, já tinha uma atuação intensa no plano intelectual e cultural. Tinha enormes programas de leituras, tertúlias intermináveis e uma forte boemia intelectual. E também escrevia na imprensa literária da época. Mas o que mais marcou este período foi a fundação em 1956 da revista Complemento sob a direção de Silviano Santiago (Professor Emérito da UFF), Ezequiel Neves, José Maurício Gomes Leite, Ary Xavier e José Nilo Tavares (professor de professores) e Theotonio Junior (como eu assinava na época meus artigos). Esta revista deu o nome a toda uma geração mineira, a “geração complemento”, que, além do campo literário, se desdobrou nas artes plásticas, na música, no teatro, na dança, na crítica cinematográfica.
Aqueles eram os anos do presidente mineiro, Juscelino Kubistchek, que prometera realizar 50 anos em 5, pondo em tensão toda a capacidade e criatividade do povo brasileiro. Era uma geração curtida no fogo das mudanças sociais aceleradas e das esperanças febris.
Num artigo sobre “um ensaismo situado” no 3° e último número da revista Complemento que causou uma ampla discussão na imprensa mineira, eu chamava a atenção para a densidade deste desafio:
“se a tarefa da revisão (total dos valores e conhecimentos) não fosse tentada isto significaria o fim da nossa civilização.”.
Antonio Olinto encontrava esta tensão existencial e literária no meu livro de poemas A Construção, publicado em 1957, com uma frase muito expressiva com a qual termina sua crítica do livro :
“Dentro dos poemas de Theotonio Júnior, em que os arames abstratos de uma linguagem tentam ganhar pé, jazem os germens dessa compensação que poderão levá-lo ao equilíbrio. Um poeta que se entrega a uma tensão tão grande possui, sem dúvida, virtudes capazes de vencer o apocalipse”.
Ora senhores. Assim nos sentíamos em 1957. O crítico, poeta e romancista que terminou sua vida na Academia Brasileira de Letras atribuia ao jovem poeta de 20 anos nada mais nada menos que a tarefa de enfrentar o Apocalipse.
Ainda nesta linha de tensão existencial, quero relembrar as afirmações que fazia o então aluno da 1ª. Série de Sociologia e Política na Faculdade de Ciencias Econômicas da então Universidade de Minas Gerais . Trata-se de uma crítica ao livro do meu amigo e mestre Guerreiro Ramos, A Redução Sociológica. Preparando sua tese doutoral, Monica Bruckmann encontrou este texto, além do próprio livro de Guerreiro e chamou a atenção para o verdadeiro projeto teórico que eu assumia neste artigo publicado na Revista Brasiliense. Eu afirmava então:
“É uma inteira revolução no pensamento humano que está por traz da obra de Guerreiro Ramos e se ele não assumiu ainda esta atitude revolucionária no campo teórico é porque tarefas mais urgentes convocam o pensamento brasileiro, tarefas que só depois de realizadas permitirão uma estruturação tão ampla”. E eu continuava:
“A razão sociológica é uma idéia fecunda a ser desenvolvida e que talvez possa servir de base a uma teoria do mundo do ponto de vista brasileiro e dos países periféricos.” Na verdade foi a esta tarefa que me dediquei ao longo de toda minha vida. E este é o tema deste pronunciamento.
No período anterior ao golpe de estado de 1964, eu já seguia meus próprios caminhos ao fundar, junto com excelentes jovens intelectuais e políticos a Organização Revolucionária Marxista Política Operária que ficou conhecida como POLOP e que ganhou grande divulgação recentemente na nossa imprensa por ter sido o primeiro compromisso político da presidenta eleita, Dilma Rousseff.
Ao mesmo tempo, no plano acadêmico, depois de terminar minha graduação na FACE-UFMG (onde Dilma também estudou e aí encontrou a tradição de luta e formação intelectual da POLOP), segui a aventura de Darcy Ribeiro que nos recrutou para a Universidade de Brasília, um projeto ainda no papel.
Eis-nos pois no coração da luta política e intelectual. O sedutor Darcy conseguira juntar na UnB algumas figuras fundamentais nos vários campos do conhecimento e da criação estética. No campo da Ciência Política fui trabalhar com meu conterrâneo Victor Nunes Leal que recrutou também Ruy Mauro Marini por recomendação minha.
Foi especialmente marcante neste período o Seminário que André Gunder Frank armou para a pós graduação e os professores em geral sobre uma perspectiva crítica do estrutural funcionalismo norte-americano que ele tão bem conhecia como ex-aluno brilhante da Universidade de Chicago, A colaboração que iniciamos com Frank em 1962-64 perdurou ate o fim de sua vida.
Em 2003, dois anos antes do seu falecimento, Frank esteve na UnB onde declarou numa conferencia pública a importância de nossa colaboração nestes anos da UnB. Segundo ele, a teoria da dependência teria nascido ali com o nosso diálogo que incluía Ruy Mauro Marini, Vânia Bambirra e eu. Ele estava falando de 40 anos atrás e ainda repercutiam aqueles debates memoráveis nos quais se perfilava com força o conceito de um sistema econômico, social, político e cultural mundial, dentro do qual se expandiram os estados nacionais modernos e as novas pautas culturais que estruturavam o comportamento humano na direção deste sistema mundial.
Na minha dissertação de mestrado sobre “As Classes Sociais no Brasil – Primeira parte: os proprietários” eu buscava sintetizar a riqueza do debate que a intelectualidade brasileira encaminhava apaixonadamente, encharcada pela ação revolucionária das forças sociais que emergiam na história do país com uma energia desconhecida. Esta dissertação serviu de base para a elaboração do meu primeiro livro em prosa: Quem são os Inimigos do Povo, 6° volume dos Cadernos do Povo Brasileiro que Álvaro Vieira Pinto dirigia para a Editora Civilização Brasileira. Neste livro de divulgação eu afirmava os limites da nossa classe dominante e a necessidade de uma clara opção intelectual e vital pelo ponto de vista dos trabalhadores como agentes privilegiados das transformações revolucionárias que o pais necessitava.
Contudo, triunfou naquele momento o lado da contra revolução. O golpe de 1964 deteve brutalmente a ascensão daquele poderoso movimento libertário. Os sindicatos foram ocupados por interventores, as ligas camponesas brutalmente reprimidas, os intelectuais progressistas presos, a imprensa e atividades artísticas imediatamente censuradas, os políticos associados ao governo Goulart cassados ou presos. A Universidade de Brasília foi invadida e intervinda.
Tive tempo de esconder-me com minha mulher Vânia Bambirra, grávida da nossa filha, Nádia, nascida na clandestinidade depois que nos estabelecemos com segurança reforçada em São Paulo. Nestes dois anos de clandestinidade me dediquei sobretudo a reestruturar a POLOP, a apoiar a organização clandestina dos trabalhadores nos Comitês de Fábrica e a mobilização de um movimento estudantil que mantinha sua estrutura organizativa apesar da sua dissolução oficial.
Estava no centro da discussão o caminho da resistência à ditadura. Na direção da POLOP nos dedicamos a terminar um documento que teve bastante repercussão nos meios de esquerda: O Programa Socialista para o Brasil onde apontávamos a necessidade mais que nunca de reforçar a organização independente da classe trabalhadora, a formação de uma frente dos trabalhadores da cidade e do campo e afirmação do papel dos trabalhadores na condução da luta democrática.
O caminho do exílio se fez necessário quando o tribunal de exceção de Juiz de Fora me condenou a 15 anos de prisão como “mentor intelectual da penetração subversiva no campo”. Exilei-me no Chile Democrata Cristão onde encontrei um ambiente democrático extremamente avançado e uma energia social de massas ainda maior da que tinha conhecido no Brasil. Posso afirmar que nesta época estava formado o intelectual e o revolucionário de fortes convicções democráticas e socialistas.

Os anos de estudo da filosofia e da história embebidos na leitura dos filósofos clássicos e sobretudo modernos que iniciara já na escola secundária; os anos de estudo da história nas fontes mais diversas; os anos de estudo sistemático de Marx e Engels e das várias correntes do marxismo pouco conhecidas no Brasil; o meu apaixonado estudo da realidade brasileira através dos seus principais intérpretes que devorei desde a pré-adolescência; as longas noites de discussão sobre a literatura, as artes e a criação estética com meus amigos da geração complemento; o debate sobre as Ciencias Sociais e a teoria do desenvolvimento dentro da FACE-UMG e da UnB, em cuja pós graduação tivemos um curso inteiro organizado pela CEPAL e um belo curso de Civilização Brasileira proferido por Nelson Werneck Sodré; depois de toda esta experiência intelectual e política vivida com tremenda intensidade encontramos a realidade latino americana em Santiago do Chile.
O debate retomado em Santiago do Chile, junto com uma brilhante geração de cientistas sociais e perseguidos políticos pelas ditaduras da região nos encharcou das lutas travadas pelos vários povos da América latina que conhecíamos muito vagamente no Brasil. O estudo desta realidade só fazia confirmar a necessidade de um enfoque novo sobre as questões do desenvolvimento econômico. O aprofundamento das lutas sociais e econômicas dinamizadas pela tentativa da Aliança para o Progresso de apresentar o Chile democrata cristão como um modelo de reformismo desenvolvimentista na região conduziu a uma radicalização crescente que desembocou na vitória da Unidade Popular de Salvador Allende e nos 3 anos de experiência de transformações revolucionárias protagonizadas pelo povo chileno, o mais politizado e consciente que conhecemos. O avanço desta experiência nos atraiu teórica e práticamente e produzia um terrível contraponto com as notícias de nossos companheiros brasileiros que chegavam em massa no Chile para transmitir-nos o esgotamento da energia revolucionária do Brasil, afogada no sangue, na tortura, na prisão, no exílio e pela censura.
Este entorno fazia de nosso trabalho intelectual um profundo e romântico processo existencial. A relação entre prática e teoria se afirmava antes de tudo como uma exigência da própria realidade. Este colossal esforço teórico teve como pólo o CESO (Centro de Estudos Sócio Econômicos da Universidade do Chile) que dirigi com uma equipe de pensadores fundantes de teoria e de grande capacidade de análise.
Logo no inicio do exílio, tínhamos conseguido organizar um seminário sobre O Capital e em seguida sobre a América Latina que envolvia alguns dos melhores intelectuais exilados. Além disso, encontrávamos tempo para ajudar a organizar o exílio brasileiro no Chile numa “Caixinha” e numa Frente das 23 organizações de esquerda em que nos havíamos dividido.
Mas a atividade mais apaixonante destes anos foi a publicação de um semanário extremamente lido e respeitado - Chile Hoy - onde acompanhei semanalmente em artigos militantes mas analíticos e como membro do seu Conselho editor o processo em marcha no Chile. No presente ano pude reunir os artigos que escrevi nesta oportunidade num livro a sair publicado na Venezuela.
Estes artigos e a intervenção da ditadura brasileira na organização do golpe no Chile fez com que meu nome aparecesse junto com a direção da Unidade Popular e outras eminentes figuras na primeira lista de perseguidos difundida pela junta militar golpista no Chile.
Eis que iniciei meu segundo exílio. Não lhes vou contar os fatos da tragicomédia do meu exílio na embaixada do Panamá que terminou transferindo-se para a minha casa. Depois de 5 meses encerrado na embaixada fui liberado pelo governo chileno mas me destinei ao México e não ao generoso exílio que o General Torrijos ofereceu aos exilados chilenos. Minha casa, emprestada gratuitamente ao governo panamenho, foi devolvida alguns meses depois e imediatamente expropriada pela junta militar chilena que a converteu num dos principais Centros de tortura do Chile. Hoje ela foi convertida num Monumento Nacional, como resultado de anos de luta militante para resgatar a memória do terror fascista que se abateu sobre toda a América Latina.
O meu novo exílio no México foi um dos mais tranquilos momentos de minha vida. Se o Chile em ebulição me abria suas portas como um companheiro participante de um sonho de todo um povo, admirado por toda a humanidade, o México de 1974 vivia uma tentativa de renovar o espírito da sua Revolução democrática e nacionalista, consolidada por um Partido Revolucionário Institucional (PRI) que se encontrava em crise depois de 50 anos no poder e que buscava recuperar sua dinâmica progressista. Luis Echeverría, hoje condenado por sua participação como ministro de governo no massacre da Praça das Três Culturas, em 1968, conduzia um processo de afirmação nacional e de apoio à luta anti-fascista na América Latina. México abria assim as suas portas para os exilados de toda a região assim como o fizera para a intelectualidade espanhola perseguida por Franco.
A Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM) era um dos principais centros de incorporação destes intelectuais de toda a América Latina.
Nestes anos mexicanos pude concentrar-me mais na problemática teórica e pude aprofundar meus estudos sobre o imperialismo e a dependência, retomar a problemática da crise estrutural do capitalismo e dos ciclos longos de Kondratieff, reunidos em um livro que se tornou um clássico das ciencias sociais com vários capítulos divulgados em inglês, uma versão em italiano e umas versões integrais publicadas em japonês e em chinês. Não me perguntem porque no Brasil nunca foi publicado...
Nos nossos cursos de Ciência Política fizemos um balanço histórico do pensamento socialista do qual publicamos eu e Vânia Bambirra somente os dois primeiros volumes sobre a estratégia socialista em Marx, Engels e Lênin.
Criamos um seminário permanente sobre Economia Política do capitalismo contemporâneo e políticas científico-tecnológicas com o Doutor Leonel Corona que até hoje existe na UNAM, com dezenas de teses publicadas.
Com a anistia, trouxe para o Brasil os materiais que me permitiram terminar aqui meus trabalhos sobre a Revolução científico-ténica, o capitalismo contemporâneo, e a acumulação de capital, além dos vários artigos sobre a revolução científico-técnica e a economia mundial, a crise econômica e o processo de trabalho, além de uma introdução teórica sobre forças produtivas e relações de produção. Mostrava então como os avanços da revolução cientifico-tecnica em direção a uma sociedade planetária ficavam comprometidos no capitalismo contemporâneo ao impedir a apropriação racional da natureza e o pleno desenvolvimento da principal força produtiva da humanidade, que é o próprio ser humano, mantido no desemprego, no subemprego e na miséria enquanto o avanço do potencial produtivo aberto pela revolução científico técnica permitia atender a todas as necessidades dos seres humanos.
Nesta nova fase tão marcada pelos problemas globais minha participação na direção da Associação Internacional de Estudos sobre a Paz, na direção da revista Socialismo no Mundo, que publicava os resultados das Mesas Redondas internacionais sobre o mesmo tema realizadas anualmente em Cavtat, na Iugoslávia; a minha participação na Associação de Economistas do Terceiro Mundo; a organização do Curso comemorativo dos 30 anos da Conferencia de Bandung, realizado na FESP com apoio da Universidade das Nações Unidas, a presidência da Associação Latino Americana de Sociologia e a participação em vários projetos de pesquisa internacionais apontavam para um esforço teórico crescente.
Entre 1987 e 1988, iniciei uma nova fase de pesquisas com o apoio do CNPq e posteriormente da Fundação Ford, orientando-me para o tema da "RCT, a Nova Divisão Internacional do Trabalho e a Regionalização da Economia Mundial". Dentro deste esforço efetuei uma viagem de estudos à França, Bélgica, Suíça, URSS e Espanha em 1989, atendendo a convites para seminários e conferências.
O objetivo era analisar os efeitos da Nova Divisão Internacional do Trabalho, que emerge da RCT, sobre a regionalização da economia mundial, que eu antecipava como uma etapa necessária na direção de uma economia mundial integrada e de uma civilização planetária. Como a Europa se antecipava neste processo, através da formação de sua Comunidade em 1992, iniciei por ela a sistematização dessas teses.
Em seguida, entre março de 1990 e fevereiro de 1992 aproveitei os convites para professor visitante das Universidades de Ritsumeikan (Kyoto) e Paris VIII (França) para aprofundar meus estudos sobre os processos de regionalização na Europa e na Ásia, ao mesmo tempo em que dirigia os trabalhos de uma equipe de estudantes de pós-graduação e graduação do Departamento de Relações Internacionais da Universidade de Brasília sobre o mesmo tema.
De volta de Kioto e de Paris ingresei na Universidade Federal Fluminense, onde formei o Grupo de Estudos sobre Economia Mundial, Integração Regional e Mercado de Trabalho (GREMIMT) que contou com o apoio da FAPERJ e do Programa PIBIC do CNPQ o qual se dedicou amplamente às analises da conjuntura mundial e patrocinou dois eventos importantes, em 1992 um encontro sobre Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente patrocinado pela Universidade Ritsumeikan, de Kioto, e a Universidade Federal Fluminense. Em 1994 realizamos um segundo Seminário sobre Globalização e Competitividade do Terceiro Mundo onde anunciávamos a formação de uma nova categoria de paises emergentes, cujos avanços permitidos pela nova divisão internacional do trabalho resultariam inclusive em sua ação conjunta na economia e política mundial. Nada indicava contudo que ese processo seria assimilado pacíficamente pelos centros do poder mundial. Em 1989, na Univesidade de Brasilia, já havia realizado o Seminário bi-anual do grupo de estudos sobre o sistema mundial que se reuniu sistemáticamente durante os anos 70 a 90 sob a coordenação de Inmanuel Wallerstein e o patrocínio do Centro Fernando Braudel de SUNY-Binghamton, da Maison des Sciences de l`Homme e do Starnberg Institute
Como culminação desta fase, logrei criar em 1997 a Cátedra e Rede sobre Economia Global e Desenvolvimento Sustentável com o patrocínio da UNESCO e da Universidade das Nações Unidas que batizamos de REGGEN. A fundação desta cátedra foi o resultado de uma difícil gestão junto a estas instituições que levou à convocatória, em 1996, de uma reunião de expertos em Helsink, Finlandia, sob a inspiração do WIDER, a qual recomendou a criação da cátedra..
Em 2003 e 2004 a minha produção chegou a um patamar muito positivo com a publicação do meu último livro: Do Terror à Esperança: Auge e Declínio do Neoliberalismo, Idéias & Letras, Aparecida, 2004. Este livro apresenta uma analise original do neoliberalismo não somente como doutrina, mas também como pratica, nos EE.UU, com Ronald Reagan, na Inglaterra com Thatcher, no FMI e no Banco Mundial, nos governos asiáticos, africanos e latino americanos e, sobretudo no caso brasileiro que é analisado mais detidamente. O livro mostra também que as contradições do neoliberalismo começavam a gerar o rechaço das populações submetidas a estas políticas e também a desmoralização do pensamento econômico que criou estes desvios teóricos perversos transformados por 2 décadas em “pensamento único”. Este livro foi publicado em espanhol pela Editora Monte Ávila, Caracas, em 2007 e encontra-se em tradução para o chinês para publicar-se pela Academia de Ciências Sociais da China.
Com esses 3 livros (Do Terror à Esperança, Teoria da Dependência e Economia Mundial) espero haver completado uma trilogia sobre o neoliberalismo e a retomada do pensamento social critico como fonte de compreensão do mundo contemporâneo. Eles se converteram num verdadeiro tratado sobre a história recente da humanidade e sobre o pensamento cientifico adequado para interpretá-la e atuar sobre ela. Seu rigor e profundidade permitem superar a prepotência dos autores comprometidos com o enfoque dominante que pensa o mundo sem incorporar a maior parte da humanidade que se encontra nas zonas periféricas. Preparo agora um livro sobre Desenvolvimento e Civilização que reflete sobre a retomada do desenvolvimento que caracteriza a queda do neoliberalismo. Preparo enfim uma revisão da economia política como ciência à luz das mudanças globais que se colocam na ordem do dia diante do fracasso do capitalismo para garantir a sobrevivência da humanidade ameaçada em suas raízes ecológicas e incapaz de promover o desenvolvimento humano mais justo e sustentável.
Volto assim a minhas propostas originais apresentadas na crítica à redução sociológica de Guerreiro Ramos. Agora repletas de pesquisas, reflexões e vivências. Nestes anos estivemos um grupo de pensadores e pesquisadores muito respeitados e influentes no olho da tormenta lutando contra toa uma estrutura de conhecimento ligada a formação de uma economia mundial fundada no domínio colonial, na escravidão e na servidão, depois na exploração do trabalho assalariado. Todos os avanços civilizatórios que provocou, entre os quais se inclui o avanço das Ciencias Sociais, estiveram ao mesmo tempo a serviço deste sistema mundial. A absurda tentativa de converter a experiência européia numa cultura universal e suas soluções históricas em fundamento moral e ético de toda a humanidade rejeitando a força histórica das grandes civilizações ainda vivas como a chinesa, o islão, os povos originários, as inúmeras mesclas que a própria expansão européia produziu pode ser condensado no que chamamos hoje em dia euro-centrismo. No momento histórico em que rompemos a barreira do cosmos e nos confrontamos com um universo em plena transformação; num momento em que rompemos a estrutura da matéria para encontrar inclusive cada vez mais revolucionariamente a própria origem da vida; no momento que as ciencias chamadas duras se submetem à flecha da história e descobrem um tempo cósmico; as Ciencias Sociais não podem submeter-se a uma tentativa de voltar aos séculos XVII e XVIII para recuperar o projeto do indivíduo possessivo como centro do universo e como a expressão da natureza humana e para assumir dogmaticamente a propriedade privada, o chamado livre mercado e a democracia como instrumentos da emancipação da humanidade.

2 comentários:

Thiago Quintella de Mattos disse...

Brilhante, professor! Colossal!

Unknown disse...

Caro Professor Theotonio,
Em função da correria do fim de ano, também não pude comparecer à Cerimônia de Outorga do título de professor Emérito.
Entretanto, sou mais um a lhe saudar e, principalmente, a lhe agradecer o privilégio de ter sido seu aluno na disciplina Processos de Integração da América do Sul. Realmente, um privilégio aprender que seremos mais se nos integrarmos realmente à nossa região, à latinoamérica. Integração que não é só econômica, é cultural, social e, principalmente mental. Espero, em meu futuro profissional, de alguma forma, colaborar para que isso ocorra.

Forte abraço,

Igor Daniel Palhares Acácio
1ª Turma - Relações Internacionais - UFF

Busca